quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O dilema


Esses dias eu estava lendo um texto do Luís Fernando Veríssimo chamado ‘A Primeira’, texto esse do livro Literatura & Futebol organizado pela Revista Bravo. Bem interessante o livrinho, reúne grandes nomes da literatura brasileira, do Romântico Drummond e seu amor pelo futebol mineiro (mesmo sendo ele Vascaíno) a Ucraniana Carioca Clarice Lispector , todos envoltos na temática futebol.

Veríssimo, sempre saudoso em suas divertidas crônicas conta a experiência vivida por ele no belíssimo momento entre o ganhar uma bola nova e o primeiro chute e toda a gama de sensações e sentimentos que isso trazia a tona da cabeça de uma criança durante a infância dele.

“ Hesitava-se muito antes de dar o primeiro chute na bola nova (...) Era um dilema, você não conseguia resistir ao impulso de levar a bola para a calçada e começar a narrar seus próprios movimentos com ela como um locutor entusiasmado (...) e ao mesmo tempo queria prolongar ao máximo aquela sensação de couro novo, intocado, nas mãos”

Pois bem, algo próximo a esse dilema pessoal me ocorreu hoje, mas no meu caso, a primeira remada no asfalto. Mas antes, assim como Veríssimo, voltarei aos dias de minhas infância, pelo menos ao momento histórico dela, já que a sensação já foi vivida minutos atrás.

Em minha infância, não fui uma criança muito comum, ou pelo menos, era o que eu achava naquela época. Filho único de pais jovens e separados, vivi boa parte de meus anos iniciais na casa de meus avós maternos, estudava em uma ótima escola, (sendo neto de mineiros católicos e militares, estudei a vida toda na congregação Marista, os quais vivi meus melhores e piores anos da vida).
Ao contrário dos demais meninos, quando o badalo do recreio batia, andava calmamente para o pátio sem o menor interesse de pegar o campinho ou o melhor golzinho da escola e, ainda, para o espanto de todos, não tinha um time de preferência para me nutrir futuros ataques cardíacos ou no caso escolar para insultar meus demais colegas, dizia (assim como digo até hoje) que era do Atlético Mineiro (time de boa parte da família materna) ou Vascaíno (time da família paterna) dependendo de quem estivesse melhor, mas nunca soube nenhum técnico ou grande jogador de nenhum deles.

Meu tio até chegou a ter aquela conversinha comigo, imagino eu que preocupado de me tornar o “primo gay” da família, pois para os padrões maniqueístas dele não era possível não jogar bola, não ter time e ainda por cima, gostar de jogar queimada. No país do futebol é lei, nasceu menino, vai ser astro do futebol, mas meu estrelato com nos gramados verdes estava cada vez mais distante.

Me lembro bem na Copa de 94, o único momento em que o futebol me agradava, cometi a gafe clássica perante toda a família – mas por que ninguém toca para aquele de preto? Ele fica ali pedindo a bola com o apito e ninguém passa pra ele – eis que o mundo de minha família desmoronou, o único neto, não sabia nem mesmo diferenciar quem era o juiz em campo. Acho que ali ficou claro, eu seria O primo gay da família.

Os anos passaram, eu continuei a não gostar de futebol,tão pouco de meninos, mas era craque em pique e esconde e policia e ladrão, devido a minha pequena estatura e magreza conseguia escalar facilmente arvores ou me esconder em lugares minúsculos. Na hora de escolher os times, era sempre o primeiro a ser escolhido, ao contrário, lógico, do futebol na escola (obrigatório nas aulas de Ed. Física).

Como toda criança, eu também tinha meus panteon do esporte: 
Sandro Dias, o Mineirinho era o meu preferido, também de família mineira, também pequeno, mas com um skate no pé eles desbancava todos os gigantes. Além do Mineirinho, eu sempre acompanhava (do verbo, comprava os VHS dos X-games e assistia uma centena de vezes) um cara novo chamado Chris Charma, que se tornaria em poucos anos o melhor escalador que já existiu.

Meu sonho era ser estiloso como Bob Burnquist, até fui as lojas de skate comprar calças largar (sim, naquele tempo, skatista usava calça larga, bem larga) para ver se melhorava, mas a habilidade nos pés não vinha de brinde, no máximo, quando o jeans já estivesse rasgado de tanto cair, um básico oli e quem sabe um varial  flip de base invertida, mas aí já era para os profissionais, ou os prós como costumávamos dizer.

Pronto, o “problema familiar” está resolvido, o garoto (no caso eu) gosta é de skate – disse meu tio com um sorriso no rosto. E lá se foi toda a família comprar um skate novo para a criança, mas principalmente, para manter o status de família padrão. Nunca vi tamanha mobilização para me dar um presente. O mais engraçado disso tudo foi ver o Brigadeiro Sobreira e sua esposa (também conhecidos como avô e avó) indo comigo para o submundo da capital federal em busca do tão sonhado skate.

- Mas você tem certeza que é por aqui meu filho? Perguntava meu avô horrorizado com os trajes dos frequentadores do lugar – veja meu filho, alguns deles tem até tatuagem, isso não é gente muito correta sabe, não é melhor comprar esse seu skate lá no shopping, eu vi uns lá bem bonitos?

- Não vô, aqui são os melhores, aqueles lá são para crianças – disse eu do auge dos meus onze anos de idade – podexá que o pessoal aqui é tranquilo, venho sempre aqui comprar revistinhas.
Antes que meu avô entrasse em mais uma discussão moral sobre as vestimentas alheias, o puxei para a loja e já fui montando meu skate. Fun House era o nome da loja e Ferrugem era o vendedor (o mesmo Ferrugem que viria a se tornar um grande skatista no final dos anos 90). Escolhe shape – ta quanto o Santa Cruz Ferrugem?

- Ih garoto, ta caro viu, nem o Burnquist usa um desses.

- Poutz, deixa então, vou de nacional mesmo, me passa aquele ali vermelho (para auxiliar no horror de minha avó catolica, o desenho do shape era de uma demonio assediando uma magnifica loira)

Truque escolhido e aparafusado, rolamentos em perfeita ordem, rodinhas novas, lixa com um corte para identificar o tail, tudo colocado em perfeita ordem e pronto pra uso e é então que o momento mágico acontece, milhoes de pensamentos passam por minha cabeça e entre eles a não vontade de colocar o skate no chão para não arranhar nada. Em minha mente, eu desejava com todo o meu ser ter esse mesmo skate todo ralado, mas ele é novo, seu truque arranhado de tantos corrimões que desceria, mas ele é novo, sua lixa trocada de tão gasta, mas ele é novo, seu shape lascado dos vários saltos e consequemtemente tombos, mas ele é novo.

Foi então que num fechar de olhos, joguei o skate no chão e pulei em cima dele, o coraçao a mil, como é lindo esse som da rodinha no asfalto, ouço os outros próximos, o barulho da madeira tocando o chão da descida do salto, arrisco um eu mesmo, o resultado é claro, skate para um lado e eu de costas no chão, rindo e passando a mão na bunda pela dor na queda.

Toda essa história foi para contar que hoje eu comprei um skate novo, depois de mais de uma década sem pisar em um, comprei um long é claro, não tenho mais os joelhos dos meus treze anos, mas o dilema vivido em minha infancia foi o mesmo. As rodinhas brancas em pouco tempo se tornaram marrom e minhas pernas estão um pouco doloridas, mas pouco importa, lá estava eu, novamente, deslizando pelo calçadão de Ipanema.

Veríssimo termina seu texto dizendo que “correr atrás da bola é o que todos nós continuamos fazendo, tamanhos homens, até hoje. E continua bom.” Cada qual com seu James Brow, mas realmente Veríssimo, continua muito bom


Bob  Burnquist

Sandro Dias, o Mineirinho

Chris Charma

Calçadão de Copacabana

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